sexta-feira, 18 de junho de 2010

Etna Maria recorda

Etna
O verão ainda não chegou .A primavera espreguiça-se por aqui quase todos os dias .O tempo arrepiante faz eco numa chuvinha aos ziguezagues ,deixando a abacateira ,a bananeira e a bunganvilia a lacrimijarem .O vento dançante na folhas intimida as roupas leves .Talvez por isso ,
procuro no silêncio humano do bairro ,a minha ausência da Terra do Mar Longe.Onde não estou.
Onde estás tu para aí deixares em liberdade o Espirito das minhas infâncias inocentes pelas dunas como escorregas num grande alarido.
Transporto-me para a marginal .Neste propósito vou até á piscina já sem a rede á volta por causa dos tubarões .No meio ,lembras-te da prancha sempre superlotada de miudagem para
saltos consecutivos aplaudidos pelas apostas dos amiguinhos ?Defronte ,o Clube destinado quase
exclusivamente a brancos e a alguns de cor africana já com nível social ou profissional na função
pública .Aí se reunia uma elite do snooker,do poker . xadrês. Tardes femininas marcavam presença nas jogatanas da canastra e do majong .
Ecos de um passado que vai ficando vazio.Balbuciam segredos que se libertam nas noites enluaradas ao som do batuque na terra dos pombos verdes .Ainda por lá saltam de coqueiro em coqueiro?Testemunhas curiosas de encontros de amores clandestinos passeando á beira mar tranquilamente .
Fixo os olhos nesse longe tão longínquo mas ainda consigo vislumbrar os abutres do medo ,bem como ouvir "mamãe iango" "mamãe iango" gritados ,doridos,chorados sob as chicotadas do cavalo marinho empunhado pelos cipaios .Era um momento de estarrecer.Percorriam a nossa
avenida e punham em debandada mães e avós ,á hora do almoço ,com as crianças para a pérgola
vizinha da casa do Capitão do Porto por onde corria uma aragem acarinhada pelas marés cheias
ou vazantes e a frescura da maresia tecladas aos acordes das casuarinas bem centenárias .
Já subiste a ladeira do Palácio do Governador?Lembras-te do casarão solarengo da nossa infância?No interior grandes salões ,um bar sempre bem frequentado e no exterior baloiços ,argolas para a pequenada ,um cort de ténis bem limpinho e tratado com esmero
para a exibição de partidas de apaixonados pelo ténis exemplarmente vestidos de branco a rigor
com raquetes de qualidade.Ali nada faltava ,cadeirões e bebidas fresquinhas.,sombras bem acolhedoras.
Diz me ,não deitaram abaixo aquela frondosa amendoeira onde iamos pilhar amendoas gordochonas bem madurinhas ?O salão paroquial ainda está aberto á comunidade?E a paróquia
continua a ser um ponto de referência na esquina da ladeira?No largo fronteiriço ,a frondosa árvore continua sã e viva?Era aí que se ficava a jogar ao berlinde ,á saída das aulas ,que acabavam em campeonatos de colecção com um bom bónus de berlindes surrapiados das derrotas do adversário a choringar.Meninos que nunca mais encontrei e pensando neles sinto um
deep breath que sufoca um grito do mais profundo ser.Ás vezes ,nestas deambulações por um tempo sem volta ,tenho a veleidade de me sentir uma Antígona que se rebela por ter sido enterrada viva .Há valores universais que não se submetem a déspotas com direitos a desencadear uma tragédia humana.
Os meus sonhos estão encerrados numa gaveta do meu coração.Aí os guardo .De vez em quando ,abro a gaveta pq me ajuda a lembrar que existo.
Mãe África não deites fora a minha identidade.Ela é feita de coisas bem pequeninas mas muito
ricas por dentro ,apesar de as acharem lixo ,mas eu chamo ,meu tesouro mesmo na ponte á espera da barca de Caronte .
Maria ,filha do Mar Longe.

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