sábado, 27 de novembro de 2010

Etna e a Madame Lvado

Etna Maria

Nunca calcurriei a Terra do Mar Longe como desde que estou aqui a revisitar os anos que passaram atirados para o outro lado do Mar.
Recordações guardadas num baú cheio de histórias e contos que de num momento para outro brincam ,enfrentam em silêncio um mundo à parte que tinha sido construido longe de tudo e de todos.Um sortilégio maravilhoso.Vivências detentoras de um espólio humano.Uma história de vidas ,castiças,pretenciosas ,divertidas ,ambiciosas,caricaturiais ,expoentes perfeitos de um poder com súbito nervosismo condenado a perder-se para sempre.
Tem sido uma aventura pegar no passado e reconstruir uma ponte por onde passaram vidas que
pagaram caro o lema tirânico "orgulhosamente sós"
Entra-se num mundo julgado esquecido,mas apaixonado pelo que aflora repentinamente com alegria.
Já não temos esse mundo.É a hora de regressar a um espaço onde já somos gente sem uma história.Porém ,não é fácil cortar o cordão umbilical
Adivinha onde me encontro.Diante do casarão da Madame Lavado.O velho batente lá estava baço no seu verde .Dei três batidas estridentes e gritei como se ela ouvisse:Madame Lavado ....Madame Lavado então qdo saem esses bolinhos ?
Ainda te lembras daquela velha senhora que não queria ser velha nem por nada deste mundo?E nem permitia que perturbassem a sua solidão.Cochichava-se sobre o que se passaria lá dentro.
E as noites ,como seriam passadas?Se calhar ,sob lençóis de seda esconderia as manchas da pele ,as rugas,a flacidez do corpo .As fantasias do Amor há muito que os anos deixaram de a despir.Vivia o sonho de se perpetuar como uma ostra.Qdo deixava o seu habitat ,empoava-se ,vestia-se com requinte ,enchia osa braços de braceletes ,a volta do pescoço ostentava um cordão
em ouro com voltas a mais e assim testemunhava como estava palpitante de vida.Demodée ou não ,que lhe importava?
Vagarosamente entrava na Igreja direitinha ao seu geneflexório aveludado vermelho com a chapinha prateada sobre o braço do mesmo com o seu nome em letras bem gordas.
Com olhinhos de águia astuta ,espiolhava tudo e todos com um sorrisinho desdenhoso como se não temesse que Deus não gostasse de a ver ali entre aquele povo dividido em brancos e não brancos em bancos corridos em madeiraá esquerda e as mulheres á direita com as crianças.Outros brancos nos seus geneflexórios com as chapas identificadas pelo nome de familia empertigados assistiam ao serviço religioso.

O resto do povoléu misturava-se á entrada da porta grande .Criava-se assim por momentos a ilusão de uma comunidade harmoniosa naquela casa de Deus.
Recordo o que dizias ,mastigando as palavras para não se ouvir o que segredavas :Achas que é altura de levantar o dedo e dizer :o rei vai nu?
Eu mandava-te calar dizendo :estamos a enganarmo-nos pq vivemos em constante agressão
á dicotomia branco e não branco.Como se dessa divisão disfarçada não conhecesses histórias de
fazer rir ,de homens que se julgavam super heróis qdo afinal eram anti-heróis ,escroques ,caçadores de perdizes de perna preta ou da cor de ébano .
Aqui não somos ninguém.Cala-te .A Madame Lavado não tira os olhos de nós .
Como a recordo,Etna Maria.Estar só não a perturbava dando a sensação de que vivia bem segura
do seu passado enigmático.
Um fogacho de luz cósmica deveria iluminar esse passado que a energizava preservando-o intacto.
Fica com este pensamento de uma grande poetisa brasileira" As pessoas são responsáveis e inocentes em relação ao que acontece com elas, sendo autoras de boa parte de suas escolhas e omissões"

Maria ,filha do Mar Longe

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